Inesperadamente, um mail chegou à minha caixa de correio. Parabéns, foste escolhido para participar no Fjallraven Polar.
Após aqueles momentos de incredulidade, lá caí em mim que a fantástica marca de roupa de outdoor Fjallraven me ia levar e equipar para uma aventura 200km acima do circulo polar ártico.
Cheguei a estocolmo no domingo de páscoa já tarde, e o primeiro contacto foi um alce enorme que atravessou a estrada descontraidamente à frente do taxi. Parece que por lá estão habituados, porque o taxista abrandou ainda antes de o vermos. O hotel era o Mornington, na periferia, e tendo em conta que a segunda a seguir à páscoa também é feriado, estava tudo fechado. Um hotel dedicado a desportistas, em que além de ginásio podiam alugar montes de equipamento, de bicicletas a skis, skates e patins.
O ambiente à volta do hotel é fantástico e nem parece que estamos a um passo de uma grande metrópole, com frondosos bosques de bétula e pinheiro nordico, casas no rio e montes de embarcações prestes a iniciar a época dos lagos.
Até à hora do almoço foram chegando os outros concorrentes, e quando estavamos todos foram-nos apresentadas as pessoas que nos iam acompanhar na viagem, nomeadamente o Jerry Engstrom, director de marketing que apresenta os videos que vamos ver à frente, e o Johan Skullman, que treinou o Ray Mears em sobrevivência no ártico e que escreveu dois dos manuais de winter warfare em uso actualmente no exército sueco, portanto um personagem com uma bagagem de meter respeito.
Almoçamos todos juntos e depois fomos ter uma sessão de formação sobre sobrevivência em ambientes extremos e equipamento.
Depois de um curto intervalo fomos então levados para uma sala contígua onde nos esperavam os sacos com a roupa que iriamos passar a vestir, tudo da cueca de merino à rede interior de la, os jumpsuits, as peúgas, as botas, as 3 luvas diferentes, o polar, o ecoshell e a parka, assim como gorros vários, trapper hats, abafos de pescoço e orelhas, óculos de sol e de ski.
um saco inteiro de equipamento mais uns cabides para completar o ramalhete. Todo o material era da melhor qualidade, mesmo o que não era da Fjallraven, das botas Hanwag às luvas Hestra, a roupa interior da Aklima.
Depois de todos terem experimentado a roupa a ver se os tamanhos estavam bons, voltamos à sala de formação para aprender a combinar aquilo tudo até à hora do jantar.
A noite foi na converseta, a conhecer os novos companheiros de aventura. E depois foi cama de novo, que a alvorada seria no dia seguinte ás 6, onde iamos voar para a Noruega, de Arlanda para Kiruna e daí para Tromso.
dia 2
Terça-feira, 6 e meia da manhã e já tudo com o pequeno-almoço tomado e devidamente equipados com a ecoshell laranja (para transmitir um pouco de espírito de grupo), um autocarro esperava-nos para nos levar ao aeroporto de Arlanda, em Estocolmo.
Voamos para Kiruna, no norte da suécia, perto de onde será a linha de fim do percurso, e daí um outro vôo para o aeroporto de Tromso, no norte da Noruega. Daí apanhamos um autocarro para uma viagem rápida até um hotel em Signaldalen, onde iriamos receber formação em equipamento e trenós. A vista começava a ser magnífica.
Chegados ao hotel já neva copiosamente e já nos esperam alguns trenós e os guias, que nos dão uma primeira mostra de como se usa a coisa, como se trava, como se curva e que – a informação mais importante desta formação – aconteça o que acontecer não se larga o trenó, porque os cães nunca mais param. Mesmo que o trenó caia no gelo, mesmo que escorregue por uma falésia abaixo, não se larga, que os cães têm força suficiente para o puxar de volta para o caminho.
Depois de devidamente equipados com roupa para o frio que se faz sentir, que o vento e a neve provocam um efeito de arrefecimento tremendo, tiramos a primeira foto de grupo oficial.
Recebemos então instrução em como montar as novas tendas de montanha (coisinha mais robusta e fácil de montar, mesmo de luvas) e em como usar o fogão primus, as duas principais peças de equipamento que vamos utilizar no percurso. O director de marketing Jerry filma o processo.
Começa a anoitecer, é-nos entregue o resto do equipamento individual e de equipa (polainas de lã, saco-cama, kit de cozinha, colchonete, tenda, comida, machado, mora, bussola, cantil e termos, etc e tal). Toda a gente tem que (re)aprender a fazer o primming do fogão e a por aquilo a trabalhar, pois irá ser essencial ao longo de todo o percurso. As estacas novas de neve vinham com o cordel do lado errado e foi preciso desatar, mudar de lado e reatar, assim como verificar todo o equipamento antes de ir dormir, já tarde.
Sentia-se algum nervosismo no ar, mas o adiantado da hora e o cansaço não colaboraram para mais confraternização.
dia 1 da corrida.
Acordamos todos com algum nervosismo.
a minha tripa transmite-me alguma preocupação em solidariedade com o resto dos camaradas, e uma dor de cabeça começa a tomar forma, assim como uma ligeira indisposição. Tomo um pequeno almoço ligeiro, o mínimo para eliminar o factor fome, hidrato-me bem mas não bebo café, não me vá cair mal.
Todos saltam para o autocarro, e após uma curta viagem começamos a ver um pequeno bosque com centenas de cães presos ás árvores. O ruido é de doidos.
Mesmo em frente a nós a montanha, majestosa e algo assustadora. Dizem-nos que o primeiro dia será o mais duro, sempre a subir pela floresta e com o tempo a piorar. obrigadinho pelo alento, sim?
Somos apresentados aos respectivos cães e recebemos dos mushers um papelinho com o nome deles, mas só decoro o dos guias, a Foxy e o Falco, porque é com eles que é preciso comunicar. O resto só puxa.
Rápidamente começamos a por todo o equipamento nos trenós, prender bem as coisas, ter o termo com agua quente à mão (existe um saco nas costas do trenó só para isso), um último aviso dos mushers quanto a cuidados a ter no caminho e toda a gente salta para cima do seu trenó, pisando bem os travões e libertando a âncora, mas mesmo assim o trenó ainda fica amarrado a uma árvore até nos ser dada a partida individual, que os bichos já estão histéricos. Nunca vi tanta vontade de correr.
Cada grupo de 4 pessoas, 2 de cada país, segue atrás do seu musher, que vai na frente para o caso de alguém cair do trenó ele poder parar os cães. Tomo um comprimido para a dor de cabeça que não me larga e amaldiçoo o café que não tomei.
Ao sinal de partida, soltamos a corda e levamos o primeiro de muitos esticões nos braços. Daqui para a frente não há retorno.
A subida é agreste e o caminho é estreito. A neve acabada de cair é fofa e faz tombar os trenós regularmente. Agarramo-nos bem, que os cães estão frescos e tratam de voltar a puxar o trenó ao lugar, não sem que hajam umas quedas épicas. O vento aumenta e começa a ficar mais fresquinho da neve que bate incessantemente de lado na cara, impedindo-nos de ouvir o que quer que seja.
Grande parte da manhã é a olhar para o traseiro de cães, a tentar adivinhar para onde vão virar a seguir, a desviar a cabeça dos ramos e o trenó dos troncos. De vez em quando é preciso sair para o lado e dar um empurrão para ajudar a subir, apenas para depois ser levado de rojo uns metros quando eles voltam a arrancar. Nas descidas é pior, pois o trenó ganha velocidade e é preciso travar constantemente para não ir cair em cima dos cães. Sempre tensão na corda, ou eles viram à esquerda e o trenó segue em frente ou pior, o trenó vira bruscamente e apenas tu vais em frente. De qualquer modo, mesmo que vás com a cara ao chão, continuas a andar em frente.
Não demora muito até as árvores começarem a escassear, sendo substituídas por um branco magnífico.
A um sinal dos mushers imobilizamos os carros. Já há gente parada lá à frente, deve ser hora de almoço. Como o sol nunca vai nem muito alto nem muito baixo, é o horror tentar adivinhar que horas são, o relógio biológico está todo trocado. No topo de uma pequena colina estão umas motas de neve paradas, já com alguns participantes reunidos à sua volta.
As trenós são deitados de lado para aumentar a tracção e os cães aproveitam para uma pequena sesta. Alguns de nós experimentam pela primeira vez na vida caminhar na neve quando esta nos chega à cintura, mas o cheiro a comida quente no topo da colina é um bom incentivo. Aprendemos depressa a pisar apenas nos buracos que alguém já fez com as raquetes de neve. Uma sopa quente tipo cozido do que penso ser rena, uma sanduiche e uma bebida quente. E depois o magnífico café. Sinto-me pronto para outra etapa!
O almoço passa rápido, sem grande tempo para confraternizar, que ainda há muito caminho a fazer.
Toda a gente volta aos seus carros, volta a equipar-se e a ajustar algum equipamento que se justifique, nomeadamente a Parka polar azul, que o frio a isso obriga, e estamos prontos para seguir viagem.
Em breve estamos no topo do mundo.
O tempo vai alternando entre abertas que nos permitem apreciar a paisagem magnífica e fortes nevões que nos deixam em whiteout, mal dá para ver os cães da frente e os postes com as marcas laranjas cruzadas que indicam o caminho e funcionam como estradas na neve. Por esta altura já percebemos que os cães sabem o caminho. O percurso continua por um tempo que se extende e parece que nunca mais acaba. Os grupos ganham distância entre si e o ritmo do arfar dos cães torna-se o único companheiro.
É uma vastidão branca e desoladora, horas a fio, neve a perder de vista em vales enormes, que ao passar a colina são substituidos por outros vales enormes.
De vez em quando paramos para um xixi e para ver se os cães não têm patas feridas, a precisar de uma pantufa, rehidratar e 5 minutos depois estamos de novo a caminho.
Já começa a escurecer quando avistamos as bandeiras a dizer “checkpoint”. Espero sinceramente que seja o local de pernoita, pois está tudo enregelado, cansado e cheio de fome.
Assim que chegamos o musher dá-nos indicações quanto à rotina de chegada, e são muito claras: primeiro tratar dos cães.
Os cães. Afinal eles é que fizeram o caminho todo a puxar, e merecem cuidados mesmo que estejamos todos de rastos e cheios de fome. Além disso se não comem depressa, adormecem, e se não jantam no dia seguinte não puxam. Portanto há que agir rápido.
É esticado um cabo de aço no chão, ou preso a uns postes que lá estão ou presos a uma tábua que é preciso enterrar bem na neve. Os cães são levados por ordem, um a um, o guia no fim, para a linha, onde são postos exactamente pela mesma ordem do trenó, bem afastados uns dos outros para não se engalfinharem.
A equipa divide-se: enquanto um fica a cortar umas enormes salsichas com um machado (uma por cão), o outro vai buscar água a um depósito onde esta não congela. Mais um fantástico passeio com neve pelos joelhos sem equilíbrio nenhum e com dois enormes potes de água, que se entornas tens que fazer o caminho todo de novo. O truque é ir devagar, passo a passo.
Depois de tudo cortado e da água fervida, mistura-se tudo num daqueles termos de praia, para que a carne descongele, e à qual é adicionada uma malga de ração seca. O tempo que as salsichas demoram a descongelar é o tempo de ir buscar mais água e de cortar nova dose, assim fica já o pequeno-almoço feito. Depois é alimentar os cães, dois a dois para que o mais forte não fique com tudo, lavar os pratos com neve, recolher tudo, por os casacos de neve nos cães e dizer-lhes boa noite.
De volta à cozinha, é tempo de voltar a encher um termos de praia para o dia seguinte, pois eles assim que acordam querem comer e correr.
Por esta altura já começo a olhar para a ração dos cães com um ar guloso.
Assim que o assunto canídeo fica terminado, é tempo então de tratar de nós. Montar tendas, arrumar todo o equipamento do trenó para o avançado da tenda, acender os fogões e ferver neve para o jantar, que já ninguém tem forças para uma terceira ida ao buraco da água. Mas a neve parece que leva décadas a descongelar. Já é completamente de noite, naquele azul característico da neve, quando acabamos de montar campo, prestes a desfalecer de fome.
Depois do jantar foi mesmo ir para a cama. Os cães ainda uivaram uma boa parte da noite, parece que é um ritual qualquer antes de irem dormir.
Lá fora, a neve continuou a cair a noite toda, mas eu dormi quentinho e que nem uma pedra.
dia 2 da corrida.
Começa a ficar duro.
O dia abre ás 6 da matina, que os cães já fazem uma barulheira enorme a pedir comida.
Felizmente ficou pronta de véspera e é só servir, enquanto o outro membro da equipa derrete neve para o pequeno-almoço.
Material arrumado de novo no trenó, tenda desmontada, um check-up rápido no vestuário para o frio que se avizinha e em menos de nada estamos de volta ao grande branco.
Ao longo de todo o caminho somos acompanhados por motos de neve que puxam os trenós onde vêm os repórteres fotográficos, confortavelmente deitados em peles de rena, o que não deixa de causar alguma inveja. De quando em vez fazemos uma paragem rápida para um xixi, hidratar e dar dois dedos de conversa com os mushers (que se distinguem pelos gorros garridos e pelas facas sempre à cintura, assim como os corta-vento castanhos). Contam-nos das corridas de cães, que as há de velocidade em cerca de 100km e as de endurance de 1600km, em que dormem 4 horas por noite e fazem tudo no trenó em movimento, da comida ás necessidades.
À hora de almoço, no meio do nada, há um sinal para parar a coluna, toda a gente aproveita aproveita para avançar neve adentro três metros ou menos, aquilo que a profundidade da neve deixa, para fazer as necessidades. o almoço é feito logo ali sentado no trenó com o fogão em cima da neve.
Enquanto uns fazem converseta à volta do café, não são apenas os cães que aproveitam para uma sesta rápida.
Pouco tempo depois estamos de volta ao caminho, que começa finalmente a descer, e onde se avista a treeline, um dos primeiros sinais de vida desde há muitos quilómetros. As arvores começam a multiplicar-se e surgem os primeiros sinais de civilização: um telhado de uma velha casa completamente enterrada na neve, uma ponte de madeira, o topo de uma outra ponte de metal.
Ao fim de algumas horas a descer entramos finalmente nos grandes lagos gelados, onde o caminho é muito mais estável e permite algumas filmagens e fotografias em segurança, assim como ir bebendo e petiscando em andamento, o que torna as paragens muito menos frequentes.
O tempo parece estender-se por uma eternidade, só nós e os cães, mal se ouvem os companheiros da frente gritar a chamar à atenção quando passa uma manada de renas ao nosso lado.
Após uma curva apertada num lago, que parece pequeno mas demora séculos a atravessar, vêmos finalmente as bandeiras do checkpoint da pernoita.
Acampamos na margem do lago. Não bem na margem, mas em cima do gelo junto à margem, pois uma escavadela para uma mesa hipopótamo rápidamente revela o gelo a cerca de um metro abaixo da neve. Consideramos mover a tenda mais para junto da margem mas estamos demasiado cansados e resolvemos confiar quando nos dizem que é perfeitamente seguro.
Fazemos a rotina dos cães e começamos a preparar a janta.
No centro do lago existe um buraco aberto para que possamos ir buscar água, mas é sempre caminhar com neve até aos joelhos.
Na foto abaixo, a pessoa que está mais ao longe provavelmente estaria a tirar agua. Era aquele caminho, ir e vir, pelo menos duas vezes.
Depois do jantar somos chamados para mais uma formação, desta vez sobre usar o equipamento para reforçar o isolamento térmico.
Johan explica-nos a rotina de deitar, o que vestir e como usar o que se despiu como reforço térmico ao saco-cama. Apesar da noite estar limpa, esperam-se 25º negativos.
Por esta altura já toda a gente veste a parka polar azul e os “bibs”, umas calças térmicas que se usam mesmo por cima das outras.
Estamos todos na converseta quando já noite cerrada alguém grita para olharmos para o céu.
A visão é indescritível. Magnífica. Aterradora até. O céu explode em verdes, laranjas, amarelos e vermelhos ao longo de uma linha, e nenhuma foto ou video que tivesse visto antes lhes faz justiça. É a aurora boreal.
É a pérola do norte. Ouvem-se pequenos estalidos no ar, como pipocas, mas muito suaves, e uma mão na neve sente-a a tremer, como se fosse puxada de volta para o céu.
Os aparelhos electrónicos ficam doidos por causa dos raios solares a atingir a ionosfera. Os cães uivam. O espetáculo dura cerca de uma hora e depois abranda. Alguns de nós simplesmente são incapazes de voltar para a tenda, e resolvem dormir ao relento na esperança de ver mais.
Toda a gente adormece com a sensação de ter presenciado algo único.
dia 3 da corrida.
solinho bom e uma surpresa.
Toda a gente acorda com uma estranha boa-disposição, parte pela noite anterior, parte pela rotina que se instala e que facilita a vida, parte pelo abrigo natural onde nos encontramos comparando com a noite anterior, libertando algum tempo para relaxar e esticar as costas.
Pequeno-almoço, tratar dos cães, arrumar.
Em menos de nada estamos de volta ao caminho, mas desta vez anda um zunzum no ar que nos espera uma surpresa para a parte da tarde.
A manhã é passada nisto. Lagos que parecem não ter fim, e de repente um pouco de adrenalina a corta-mato. Algumas manadas de renas cruzam-se connosco e nas margens já se vêm muitas cabanas de veraneio.
Os guias avisam que no final há uma queda abrupta onde no verão há uma queda de água, e que é logo a seguir a uma curva e contra-curva, por isso é endireitar o carro para a curva e travar a fundo para não acabar em cima dos cães.
Metade de nós vai ao tapete. um monte de jornalistas posiciona-se mesmo a jeito para capturar o momento, os malandros. Dou um toque de lado no trenó para o apontar à descida e salto a pés juntos sobre o travão, para mim correu bem.
Assim que passamos os repórteres, uma curva apertada mostra as bandeiras de checkpoint. É hora de almoço.
Ah, pois é, vamos dormir ao relento esta noite outra vez.
A malta da Fjallraven já tinha uma trincheira de neve preparada, que abriga do vento predominante, e cada equipa de 2 deve construir o seu. Há tempo ainda para uma formação sobre como fazer fogo na neve, usando o firesteel, casca de bétula e ramos de pinheiro.
O resto da tarde é dedicado ensinar o meu companheiro Grego a acender fogo com um firesteel e bétula e a construir o abrigo. Alguns optam apenas por uma parede de neve, outros cavam trincheiras, outros ainda cavam autênticos buracos na neve, que esta chega à cintura em alguns lugares. Como nos é permitido usar o abrigo de emergência azul, que não passa de um impermeável, optamos por 3 paredes de neve cobertas com o pano e com uns ramos de espruce a servir de chão à boa maneira inuit.
Um pinheiro morto ali ao lado leva apenas uns empurrões o tombar, e proporciona-nos a viga-mestra do abrigo e toda a lenha que vamos precisar para a noite.
Contamos por os sacos a tapar a entrada e passar uma noite excelente, pois mesmo durante o dia nota-se muito a diferença de temperatura no interior do abrigo.
À hora do jantar somos reunidos num fogo comum, onde uma série de pessoas nos veio visitar para entrevistas às respectivas cadeias televisivas e jornais.
Os locais trazem-nos bolinhos e café, e perco-me à conversa com o dono de uma cadeia de televisão norueguesa que veio aproveitar o passeio.
Toda a gente relaxa um pouco, pois está-se bem à volta do fogo.
Chega a hora de ir dormir, chuta-se neve para cima do fogo e cada equipa recolhe aos seus abrigos.
Faço a rotina do relento, com os bibs por baixo do saco-cama e a parka sobre as pernas, com os pés enfiados no capuz, mas começo a achar que é excessivo e ainda nem me deitei. Parece-me mais quente no abrigo que nas duas noites anteriores na tenda.
De barriga cheia e quentinho, tombo que nem uma pedra.
4º e último dia da corrida
a festa e o lago gelado
Toda a gente acorda bem-disposta depois de uma noite quentinha. Os abrigos, uns mais elaborados que outros, proporcionam um descanso mais quente que nas tendas, ainda que a -15ºC.
Há uma sensação estranha no ar, de ser o último dia.
No entanto, hoje regressa a rotina dos cães, que não deixa tempo para grandes meditações metafísicas.
Depois de um rápido pequeno almoço, há que os adestrar, que ontem dormiram a tarde toda e devem estar sedentos de corrida.
Ainda há tempo para um cafezinho antes de abalar, já com tudo arrumado e os abrigos desmontados.
Explico ao Johan como fazer o sorriso 32, e tiro uma foto que vai direitinha para o meu currículo de campo, pois não é todos os dias que nos cruzamos com gente deste gabarito.
Em menos de nada estamos de volta à placidez dos lagos, com os curtos intervalos pela mata.
Demasiado rápido para ser verdade, lá ao fundo já se avistam as bandeiras da linha de chegada.
Custa a acreditar que está a chegar ao fim.
Ainda não está tudo terminado. É preciso levar os cães ás carrinhas de transporte que os esperam do outro lado do campo e depois regressar a puxar o trenó, para sentir pela primeira vez o que os cães sentem. Não é assim tão mau, aquilo desliza muito bem.
Depois de tudo entregue, encontramo-nos todos na linha de chegada para a última foto de grupo.
Lá atrás, naquele tipi enorme, espera-nos o almoço. Mas ainda não. Johan diz-nos que temos que prestar provas do que aprendemos, e que para ganharmos o direito ao almoço, temos que acender um fogo. Tenho o bolso cheio de casca de bétula, por isso vou ao pinheiro mais próximo apanhar uns raminhos secos e faço um bocado de tempo enquanto toda a gente corre a ir procurar material.
“a aventura não acaba até estarmos em casa”, repete Johan.
Fogo aceso e apagado e lá nos dirigimos ao tipi, onde nos espera um salmão com natas.
Do lado de fora acenderam um fogo grande, e há peles de renas no chão para manter o traseiro quente enquanto acabamos o almoço.
Andreas, o patrão da Fjallraven, diz-nos o programa das festas e qual do material é que vamos poder levar para casa. Uma salva de palmas para todos e agora é agarrar no material e dirigir-mo-nos à casa grande para um merecido descanso.
Somos recebidos por um local que nos dá uma breve apresentação do campo. Aqui é a casa, jantar em baixo quartos em cima, ali são as sanitas, ali é a sauna, e espetadas na neve à porta de cada uma delas estão montes de cervejas. Sirvam-se que há lá mais dentro e nós vamos repondo.
Enquanto fazemos turnos para o WC, ficamos na conversa no alpendre. pomo-nos um pouco mais à vontade e vamos virando uma cerveja.
Sabe tão bem que até deixamos as moças usarem primeiro a sauna.
Para descanso dos nossos leitores não há fotos da sauna. Mas é o costume: 50 a 80ºC lá dentro e um vapor que queima, bancos corridos, toalhas e agua gelada pela cabeça abaixo, parece a praia em Sesimbra no verão. Depois de todos lavadinhos a balde e cheios de calor, vamos então ao lago.
São uns 150 metros pela neve e depois pelo gelo até ao buraco no centro do lago. Quando lá chego já não sinto os pés. Curiosamente não me custa nada entrar, pois não há choque térmico. É descer as escadas e mergulhar a cabeça. Mas quando saio farto-me de gritar, perante os aplausos dos locais do outro lado do lago que gozam o prato. Depois o corpo começa a libertar um calor enorme e regresso quente à sauna, não fora os pés continuarem tão gelados que já não os sinto desde que saí da sauna.
Limpos e vestidos reunimo-nos para um jantar conjunto e uma pequena festa na casa-bar.
No dia seguinte arrumamos o equipamento, recebemos os diplomas, e entre choros e abraços, despedimo-nos à medida que cada um vai ficando para trás nos aeroportos que os vão levar de volta a casa.
Ainda me esperavam 8 horas de viagem de regresso, mas as recordações ficam para sempre.
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